O Provedor de Ilusões
- Graciele Maria Welter
- há 3 dias
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O "Provedor de Ilusões" não entrega amor, cuidado ou verdade, entrega apenas migalhas, cuidadosamente embaladas como se fossem dádivas. A palavra mínima é transformada em promessa. O gesto banal é vendido como sacrifício. E assim, o outro é mantido enredado numa expectativa que nunca se cumpre.
A compulsão é não dar o bastante, mas sempre dar o suficiente para não perder o controle. Alimenta-se, assim, o vínculo com gotas escassas, para que o outro nunca morra de sede, mas também nunca se sacie.
É um jogo cruel, mas sofisticado: manter o outro preso, desejando mais, enquanto se preserva no conforto de nunca se oferecer por inteiro.
No fundo, parece um ato de egoísmo, pois não há entrega real, apenas o cálculo de quanto basta para continuar colhendo sem plantar e consumindo sem nutrir. Semelhante a uma lógica de oportunismo: tudo o que se oferece é mínimo, mas apresentado como se fosse máximo. E quando o outro percebe o vazio, a resposta vem em forma de acusação: “Você não valoriza o que eu faço”.
Neste enrredo, o mínimo se transforma em virtude e a falta em grandeza.
Talvez o aspecto mais trágico do "provedor de ilusões" não esteja em como engana os outros, mas em como engana a si mesmo: acredita nas próprias narrativas, acredita que pagar contas é amar, que aparecer de vez enquando é se sacrificar, a rotina é sinal de cuidado, e que a promessa não cumprida é, por si só, prova de intenção. Vive dentro de um teatro de ilusões que o próprio criou, e já não distingue o palco da vida real.
Nos relacionamentos, promete um futuro que nunca chega. No casamento ou na convivência, sustenta uma rotina sem desejo, mascarada de responsabilidado. No trabalho, nas amizades, na sociedade, repete o mesmo padrão: oferece histórias que favorecem sua imagem, crenças que não se sustentam, narrativas que escondem o vazio.
Nessa corrente de ilusão, o provedor não sabe o que é ser inteiro. A verdade seria simples demais, e talvez dolorosa demais. Por isso, prefere viver de ensaios, sempre à margem da vida real, convencido de que controla o enredo, quando na verdade é apenas personagem do próprio engano.
E assim segue: entregando pouco, vendendo como muito. Podendo acreditar que essa vida de aparências é suficiente para se manter de pé. O que não é percebido é que viver de ilusões é também morrer de ilusão.
O fim ou a continuidade?
O destino das ilusões depende de até onde consegue sustentar o palco. Alguns, um dia, são confrontados pela vida: a doença, a perda, o abandono ou a solidão expõem as rachaduras da fachada. O choque da realidade pode rasgar as cortinas e obrigar a encarar o que sempre foi negado. Nesses raros casos, há arrependimento, ainda que tardio, e quem sabe, a possibilidade de transformação.
Mas muitos outros seguem até o fim abraçados às próprias máscaras. Continuam vivendo de meias-verdades, de promessas ocas, de narrativas convenientes. Quando o tempo lhes rouba a força, descobrem tarde demais que não construíram nada sólido. O arrependimento, então, não gera mudança, apenas lamento. É o pesar de quem percebe que passou pela vida sem de fato tê-la vivido de acordo com seu íntimo.
O não alcance da totalidade
O maior limite das ilusões é nunca experimentar a plenitude de ser inteiro. Permanece fragmentado: profissional sem profundidade, pessoa sem verdade, parceiro sem entrega, vida financeira sem estabilidade. Uma vida no “quase”, no “um dia”, no “não é tão grave assim”. Sabemos, que a vida não acontece no rascunho e para ter sabor ela exige coragem de inteireza.
Na ilusão se perde o essencial: a profundidade do encontro, a solidez do afeto, a dignidade da verdade, a liberdade de ser real. Ao evitar a dor do confronto, evita-se também a alegria da inteireza. Neste sentido, sua herança é a superficialidade: uma vida que parece cheia, mas que por dentro é sentida como vazia.
Talvez, seja essa a função real da ilusão: entregar uma fantasia em declínio da realidade com a promessa de que "um dia, quem sabe...".
GRACIELE MARIA WELTER
PSICÓLOGA CRP 08/16992
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